domingo, 10 de outubro de 2010





AÍ ESTÁ ELE, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas.
E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.

Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro:
a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.

Ela olha o mar, é o que pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.

Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é um mistério vivo que não se indaga.
A mulher hesita porque vai entrar.
A mulher não está sabendo, mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver.

Ela está sozinha. O mar não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar.

Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir.
É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.

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