quinta-feira, 19 de novembro de 2009



Por mais que eu quisesse permanecer
Por mais que eu quisesse que você tivesse ficado
Nada poderia ser feito
Você não ficou
Mas eu permaneci
Finquei minhas mãos no tempo
E rasguei o véu do espaço
Olhei para trás
Vi você chegando
E vi você partindo
Nada poderia ser feito
Foi quando lembrei de não lembrar
E apenas olhar ao redor
No adiante iminente
Já não queria mais pensar
Nesse centro impermanente de beirada-de-abismo
Onde vivo, sem saber voltar
Nascente de vertigem que desagua o salto
Cordilheira de queda que configura o vôo
E por mais que eu quisesse permanecer
Algo além de mim quis que eu não tivesse mais escolha
Algo além de mim quis que eu me deixasse para trás
E me tornasse
Simplesmente
Alguém além de mim
Alguém além daquela que espera por você
Alguém além da permanência e da espera
Alguém que é
Agora
Simplesmente você...




Abro meus olhos
Escuridão
Ouso então um olhar
Para dentro de mim,
Onde se escondem os
Mais puros pensamentos,
As mais ardentes aflições.
É luz, que vejo.
E, então, a luz me cega.
Mas luto contra a claridade,
E abro os olhos finalmente
Para o que se revela um mundo
Vivo, pulsante, colorido.
Banho-me, e desfruto
Da inigualável sensação de LIBERDADE.
A simples sensação de existir apenas para si mesmo...
E sem medo, corro os riscos,
E libero a luz.
E ela percorre o espaço,
Desafia o tempo,
E vai contra a própria realidade.
Sinto o pulsar de todas as coisas,
E todas elas são vivas.
Ouços todas as vozes,
E sei de todas as coisas.
Tudo, por um único segundo.
Não há mais palavras...
Contemplo agora a calma
Que me cerca, e ,serenamente,
Fecho meus olhos.




Por que sei que estou no deserto?
Pelo excesso de areia em meus olhos,
Em minhas mãos.
Pela secura da garganta misturada a grãos de silício...

Por que sei que estou no deserto?
Pela dor que sinto quando acordo
Depois da noite mal dormida.
Pela dor constante que sinto,
Na boca do estômago.
Pela dor insistente e latejante,
Em meu coração.

Por que sei que estou no deserto?
Por causa do excesso de luz durante o dia,
Que cega.
Por causa da falta de lua a noite,
Que cega.
Por causa da falta de perspectiva e horizonte,
Que cega.

Por que sei que estou no deserto?
Porque sei que não adianta acreditar em nada,
Porque simplesmente não acredito em nada.
Não acredito nas artes,
Não acredito nas ciências,
Não acredito em nenhuma religião;
Em nenhum santo,
Em nenhum buda,
Em nenhum cristo,
Em nenhum homem,
Simplesmente porque sei que não adianta acreditar em nada,
Pois a morte me espera.
E o mistério de escapar dela
Não me foi revelado por ninguém
E pior: não me foi revelado por mim mesma
Por isso, sei que estou no deserto,
E se continuar assim não escaparei...
Como ninguém, igual a mim, até hoje, escapou!
Não me venham com caminhos toltecas,
Com histórias de phistis e de sophias,
De kardeques desencarnados,
De teosóficos blavastiquis,
Ou antroposteiner... de nada adiantarão,
pois todo dia quando acordo:
sempre sou e sempre é hoje.
Por isso, sei que estou no deserto...
E não há nada a mim revelado que possa
Aplacar a minha dor e a minha estonteante sensação
de que sou um super-herói e que irei salvar o universo.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009




Minhas asas estão feridas,
pelo medo que paralisa,
pela angústia que aprisiona,
pela ansiedade e sua gangorra.

Minhas asas estão sujas
como as lamacentas ruas,
onde correm pecados e lamúrias,
e não ocorrem vôos, e não se vê a lua.

Minhas asas estão cansadas
do peso da solidão que carregam,
de esperar a libertação tão sonhada,
da força da gravidade sem trégua.

Minhas asas estão mergulhadas
no tempo e no espaço,
na expectativa do enlace
que me leve à eternidade amada,
à Ternura de que vivo esfomeada,
à Felicidade de que fui excluída,
à Paz finalmente sentida.

Minhas asas estão quebradas
pelas horas amargas
que causam a idiotice coletiva,
e a falta da fraternidade amiga,
e a falta do brilho nos olhos...
Sorrir enquanto outros chorem?

Minhas asas estão fracas, sem viço, pobres,
sem cor, empoeiradas, envelhecidas...
Mas ainda assim são asas.
Asas de desejos nobres,
que, talvez, um dia, quem sabe,
possam ainda voar.